Esparta e o novo guerreiro

O ideal do guerreiro homérico deveria ser adaptado para a vida das cidades. No caso de Esparta, o indivíduo desaparece diante do ideal colectivo. Em Esparta, não se trata de formar o herói, mas sim uma cidade de heróis. 

Henri-Irénée Marrou fornece-nos uma pista para esta reviravolta: segundo ele, trata-se de uma revolução ética causada por uma revolução técnica, na verdade, uma mudança radical na técnica de guerra. No contexto da guerra entre as cidades, o guerreiro de modelo homérico, que vai ao campo de batalha no seu carro de guerra e escolhe contra quem combater, é substituído pela formação da falange de hoplitas, um batalhão de soldados de infantaria pesadamente armado, com capacete, escudo, caneleiras, uma lança longa e uma espada curta.  Essa falange que se move e combate unida, obedece ao comando central dos seus oficiais e generais e entende que a vitória na batalha e, em última instância, a segurança individual de cada um dos seus membros depende da solidariedade do companheiro que está imediatamente ao lado. Assim, o escudo do guerreiro é deslocado para a esquerda sempre que ele sente que o seu companheiro está em perigo. 

A força da falange reside na resistência que o indivíduo exerce contra o seu próprio medo. Bastará um soldado ceder ao medo e iniciar a fuga, e o pânico estará instalado e toda a falange se romperá. Assim, uma análise da educação espartana, expressa por Xenofonte, escritor do século IV a.C., e por Plutarco, autor do século I da nossa era, pode ser entendida sob o ponto de vista das técnicas que visam a criação da solidariedade entre os membros da futura falange, o controle do medo e o surgimento da coragem.  

Todos os exercícios e todas as práticas educacionais estavam voltados para a formação do guerreiro e uma parte importante dessa educação era a interiorização dos valores sociais espartanos. Esta era propiciada pelos poemas de Tirteu, cantados desde a mais tenra idade. O poeta Tirteu, que viveu no séc. VII a.C., pode ser considerado o “ideólogo” do Estado espartano, pois nele encontramos expresso o principal valor de Esparta: a coragem.  

1 “Eu não lembraria um homem pela sua excelência (aretê) na corrida ou na luta,

nem que tivesse dos Ciclopes a estatura e a força

e vencesse na corrida o trácio Bóreas,

5 nem que tivesse figura mais graciosa que Titono,

ou fosse mais rico do que Mídias e Ciniras,

ou mais poderoso que Pélops, filho de Tântalo,

ou que tivesse a eloquência dulcíssima de Adrasto

ou possuísse toda a glória – se lhe faltasse a coragem valorosa.

10 Pois não há homem valente (agathós) no combate,

se não suportar a visão da canificina sangrenta

e não atacar, colocando-se de perto.

É esta a excelência (aretê), este é entre os homens o maior galardão,

e o mais belo que um jovem deve obter.

15 É um bem comum para a cidade e todo o povo,

que um homem aguarde, de pés fincados, na primeira fila,

encarniçado e esquecido da fuga vergonhosa,

expondo a sua vida (psikhé) e ânimo (thymós) sofredor,

e, aproximando-se, inspire confiança com as suas palavras àquele que esteja ao seu lado.

20 Um homem assim distingue-se no combate.

Em breve derrota as falanges furiosas dos inimigos,

com o seu ardor detém as vagas da batalha.

Se ele cair na primeira fila, vendendo cara a vida (thymós),

deu glória à cidade, ao povo e ao pai,

25 se for mal ferido, na frente, ao peito,

do escudo bombeado e da couraça.

Choram igualmente os novos e os velhos,

aflige-se a cidade com amarga saudade.

O seu túmulo, os seus filhos serão notáveis entre os homens,

30 bem como os filhos dos filhos, e toda a posteridade.

Jamais perecerá a sua nobre glória e o seu renome,

mas mesmo debaixo da terra será imortal,

aquele a quem perder o fogoso Ares, quando praticava altos feitos (aristeúein),

e resistia, combatendo pela pátria e pelos filhos.

35 Mas, se escapar ao destino (kér) da morte que deita por terra,

e alcançar, vitorioso, a glória fulgente da lança,

honra-lo-ão por igual os jovens e os anciãos,

e, depois de gozar muitas delícias, descerá ao Hades.

Quando envelhecer, distinguem-no os cidadãos, e ninguém,

40 quererá prejudicá-lo, faltando ao respeito ou à justiça.

Todos por igual, novos, ou da sua idade, ou mais velhos,

na sua terra, lhe cedem o lugar.

E agora, que todos os homens tentem chegar aos píncaros

desta excelência (aretê), sem desviar o ânimo (thymós), da guerra.” (Frag. 9 Diehl)

Fazendo a análise deste fragmento de Tirteu, podemos constatar as mudanças que a ética homérica sofreu em Esparta. Dos versos 1 a 9 o poeta arrola aquelas excelências (aretái) e dotes prezados nos poemas homéricos: habilidades atléticas, porte gracioso, riqueza, poder, eloquência, glória e afirma que nenhuma delas tem valor na ausência da coragem guerreira (andréia). Dos versos 10 a 22 ele define o que é essa coragem guerreira, segundo os padrões espartanos: suportar a visão da carnificina sangrenta (verso 11), atacar (verso 12), aguardar na primeira fila sem lembrar da fuga (versos 16-17), expor a vida ao perigo (verso 18), inspirar confiança nos companheiros (verso 19). Dos versos 23 a 34 Tirteu exalta aquele que morre pela sua cidade, destacando a sua honra e a sua glória, que se reflecte nos seus descendentes. A finalização do poema (versos 35-44) fala daqueles que, escapando da morte nos campos de batalha, envelhecem honrados entre os seus pares. 

Assim, morrer com coragem e sobreviver com coragem equivalem-se. A leitura do poema demonstra que, para Esparta, só existe aretê na vida guerreira. Ter coragem é sempre o objectivo, posto que, qualquer que seja o desfecho, a morte nos campos de batalha ou a sobrevivência e a consequente velhice, para o guerreiro corajoso ele será sempre honroso.

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11 responses to “Esparta e o novo guerreiro

  1. nos espartanos a coragem está acima do amor…! coisa q n deveria estar…
    ou não?

  2. Mas acaso há forma mais elevada de demonstrar amor por alguém ou algo senão através da coragem?

  3. Jesus disse: Não ha maior prova de amor que um homem dara vida pelos seus amigos.

  4. alguém poderia me dizer que tipo de luta corporal os espartanos treinavam e aplicavam nas batalhas, e se o pugilismo ja era incluido nas tecnicas ou trinamentos militares

  5. Esparta era imcomparavél entre as demais cidades…….
    Não há o q dizer sobre Esparta eles supreenderam a todos os reis com a sua cultura.

  6. estudar sobre esparta ninguem merece!

  7. ADOREI ESSE SITE É O MELHOR QUE EU JA ENCONTREI

  8. Luck Helsy Vanitsk "Um Barbaro"

    “Salve Salve valorosos guerreiros espartanos vos
    sois um bravo povo,que os deuses e o poderoso Hércules tenham divino apreço por suas almas,e que seus nomes permaneçam em nós para sempre
    oh grandes dragões,em nome do nosso divino AZHUR protetor dos barbaros tenham nossas sinseras condolências e um rugido turtuoso que faça retumbar o planeta de “VIVA ESPARTA PARA SEMPRE” voçês foram grandes assim como os bravos TROYANOS.SALVE SALVE ATHENA,ARES,HÉRCULES “CORAGEM NÃO É A AUSÊNCIA DO MEDO MAS SIM A PRESENCA DO MEDO E VONTADE DE SEGUIR EM FRENTE”

  9. Muito interessante essa história dos Espartas.
    Parecia um povo com muita determinação, e garra de vencer sem se acovardar, muito pelo contrario com muita coragem e ousadia

  10. A coragem é a base para conquistarmos nossos objetivos e não nos intimidarmos perante os desafios da vida.
    Filósfofos gregos e os pensadores bíblicos citaram isto, como no livro de Josué: Tenha FORÇA e CORAGEM…
    Dentre as palavras de Jesus, uma das mais citadas é NÃO TEMAIS, ou seja, NÃO TENHAM MEDO.
    E em Apocalipse, cap 20, diz: Quanto aos TÍMIDOS, aos COVARDES… a parte que lhes cabe é o lago de fogo…
    Portanto, a cultura de Esparta é um legado valioso para um mundo que transita entre a indecisão e o medo.
    A vida só vale ser vivida se for por algo grandioso.

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